9.7.07







RÁDIO MOCIDADE




1967-1974

(historial da rádio contado pelo seu fundador Joaquim Nogueira)


Onde não falta a vontade existe sempre um caminho (in O Senhor dos Aneis)


REALIZAÇÃO DE UM SONHO


Tudo começou porque eu sempre tive a mania da radiotecnia e aos doze anos construía a minha primeira “galena” para ouvir a Emissora Nacional, em Coimbra, isto no ano de 1947.
Em 1966, estando a leccionar no Liceu Salazar, em Lourenço Marques, encontrei no laboratório de Física um emissor de radioamador de 20 W e na minha cabeça surgiu a ideia de criar com alguns alunos uma escola de futuros radioamadores.
Posto o assunto ao Reitor (Dr.Mário Alcântara ) este apoia a ideia, mas o pior foi a Liga dos Radioemissores de Moçambique (radioamadores) que a vetou ,embora os CTT e os seus serviços radioeléctricos tivessem dado luz verde.
Então pensei para comigo: “ se não me deixam fazer uma escola de radioamadores vou tentar fazer uma estação de radiodifusão sonora.” A ideia, naquele tempo, era tão louca como tentar fazer hoje uma estação de televisão pois o material não existia no mercado local e não se usavam computadores ,como hoje em dia .
Obtidas as necessárias autorizações dos serviços radioeléctricos, começou a transformação do emissor de 20 W, da onda curta para onda média. Este trabalho foi realizado pelo Sr. Carlos Albuquerque, técnico do Rádio Clube de Moçambique, enquanto eu me ocupava, com três alunos, em improvisar um estúdio numa pequena arrecadação junto á biblioteca do Liceu. Mas seria aquilo um estúdio se só se tinha um gira-discos e um gravador, nada profissionais, ligados directamente ao emissor?
Uma antena horizontal foi montada no terraço do Liceu e ali estávamos nós a fazer experiências , aos Domingos ,das 9 às 10 horas e com sucesso, pois as emissões deram brado entre os alunos e se calhar só chegávamos ao Alto-Maé ! (A primeira experiência foi feita no Domingo de Páscoa de1966).
Todos queriam experimentar, todos queriam pertencer á rádio ainda sem nome, mas com tais instalações e material isso era impossível .
Juntei os alunos e disse-lhes:” Vamos fazer um estúdio como deve ser, mas é necessário angariar fundos.” Se o disse, os alunos melhor o fizeram ! Alguns meses depois havia dinheiro para o sr. Carlos Albuquerque construir uma consola de comando onde se ligavam 1 microfone, 2 gira-discos e 2 gravadores Este estúdio, já com cabina de locução, foi instalado na grande sala da cabina de projecção de cinema profissional que o Liceu possuía. Nascia assim a RADIO MOCIDADE, com estúdio e emissor próprios. Estávamos em Fevereiro de 1967.


(O 1º estúdio montado na cabina de cinema do Liceu) (foto do 2º emissor, comprado no ferro velho e adaptado.Era um RCA de 100 w)) Agora sim, eram já programas semanais de 2 horas, com cabeça, tronco e membros. A revista PLATEIA publica uma notícia com a foto dos elementos da Rádio Mocidade. Eram eles : Rui Magalhães, João Mendes, Libânia Feiteira, Graça Faustino, Silva Pereira, Isabel Pinto, Eurico Correia, Akim Perally . Neste grupo havia alunos do Liceu, da Escola Comercial, do Magistério Primário e da Universidade. A emissão era feita em 656 Khz o que equivalia aos 457 m , da onda média.




A rádio crescia em ouvintes, era falada na cidade, mas o pobre emissor de 20 W não aguentava mais de uma hora de emissão contínua e era arrefecido com uma ventoinha. Os alunos queriam mais e lá vou eu ter com o Secretário Provincial de Educação ,Dr. Francisco Maria Martins, expondo a situação e solicitando uma pequena verba para comprar, no ferro-velho, um emissor de 100 W, marca RCA que pertencera aos CTT. Novamente o sr. Carlos Albuquerque ,em meados de 1967, transforma a onda curta em onda média e agora ,com toda a cidade coberta, era a delícia de todos, aos Sábados e Domingos .O novo emissor muda a sua frequência para 1484 Khz (202 m. onda média) . Estas instalações na cabina de cinema mantiveram-se até 1970, embora com várias alterações no material de estúdio.
A popularidade crescia cada vez mais e os alunos universitários resolvem criar a sua Rádio Universidade mas com pouco sucesso, pois emitiam no Rádio Clube , em FM , apenas uma hora por semana.
Os alunos queriam mais horas de emissão e o dinheiro vindo da Secretaria de Educação e do Reitor, Dr. Rui Gouveia, mal dava para as agulhas dos gira-discos. A energia era á conta do Liceu, felizmente.! Vai daí os jovens começam de novo a angariar fundos no comércio local e a pressionarem-me no sentido de que conseguiam fazer emissões diárias, mesmo com a restrição de que quem tivesse negativas não faria rádio. Sempre tiveram notas positivas e passavam de ano.
Venceram uma vez mais, e com o apoio da Gerência do Rádio Clube de Moçambique que reconheceu o valor da RM e lhe ofereceu um dos seus emissores de 250 W, mudam-se novamente as instalações dentro do Liceu, desalojando parte da secção de Educação Física e aí construindo de raíz novos estúdios com novo material técnico, agora profissional, inauguradas a 28 de Fevereiro de 1970. É nesta altura que alguns elementos da Rádio Universidade voltam á Rádio Mocidade pois nesta tinham emissões diárias e material também profissional, criando a rubrica "Quadrante Universitário".

(Emissor de 250 w oferecido pela Gerência do Rádio Clube de Moçambique)


(O último estúdio no dia em que foi inaugurado. Sofreu posteriores modificações em material )
Não me perguntem como se conseguiu já que tudo aparecia como por milagre ,tal era a força de vontade dos jovens ,o interesse dos ouvintes e dos encarregados de educação pelos programas ligeiros, culturais e de estudo . Sim, também havia programas de estudo no período pré exames com gravações vindas de Lisboa e em que se faziam revisões das disciplinas mais difíceis como Filosofia, História, Português etc. Já poucos se lembrarão do facto mas é preciso repor a verdade! A partir desta data,dá-se o intercâmbio de programas com os emissores regionais do RCM , com a Emissora Nacional, com a Rádio Lobito (Angola) e com a secção de teatro do RCM dirigida pela Srª D. Sara Pinto Coelho. São as transmissões realizadas da FACIM, do Autódromo de L.M., das piscinas do Desportivo, das corridas de automóveis na África do Sul, do rally do BNU e da Caça ao Tesouro pela rádio, tudo isto em emissões das 20 h às 22 h de 2ª a 6ª feira, das 15 h às 19h30 aos sábados e das 9 h às 19h 30 , aos Domingos. Isto era o que estava estipulado, porque um pedido telefónico para casa do "Dr. Nogueira" e lá ia mais uma ou duas horas de emissão. O estúdio tinha muitas mais horas de trabalho com a gravação de programas de sonorização mais cuidada e treino de novos elementos. Isto era feito no período em que o emissor não estava no ar e fora do horário das aulas.
É esta a época em que era emitido o “sinal “ Aqui Portugal, Moçambique !... Rádio Mocidade a estação dos jovens para todos os jovens de Moçambique, irradiando dos seus estúdios no Liceu Salazar ,em 1484 Khz , 202 m onda média .
O nosso programa “Camuflado” ,destinado às Forças Armadas, chegava a todo o Moçambique ,graças às gravações transportadas gentilmente pela DETA para os regionais do RCM , numa amável retribuição das gravações que gratuitamente fizeramos para os seus aviões. A música que se ouvia na cabina desses aviões ,antes de descolarem ou ao fazerem-se à pista, foram gravadas no nosso novo estúdio. Em 1974 estava a ser montado na Matola , no centro emissor dos CTT, um novo emissor de 2.000 w que, dada a potência, já não podia estar dentro da cidade.
Como mera curiosidade técnica, diremos que havia uma companhia de aviação que se guiava pela nossa emissão, dada a grande direccionalidade da antena horizontal e lhes servíamos de radiofarol para a cabeceira da pista do aeroporto de Lourenço Marques ,desde que deixavam Joanesburgo . Também os ouvintes entravam em directo nos programas, via telefone, sem qualquer atraso para evitar inconveniências ; nunca houve problemas pois os jovens locutores mantinham uma postura e uma linguagem que bem podia servir de exemplo aos profissionais dos nossos dias. A rádio estava proíbida de fazer publicidade mas, mesmo assim, o comércio e a indústria locais sempre a apoiaram com prémios para os vários concursos e as lojas que vendiam discos ,emprestavam ou cediam os mesmos sem contrapartidas, pois todos sabiam que era uma rádio escolar e também viveiro de muitos futuros profissionais de rádio e televisão.Não cito os nomes dos que hoje são profissionais de rádio e televisão e que na R.M. deram os primeiros passos ,pois posso olvidar alguém mas que são vários e espalhados pelo mundo ,posso garantir.
A Rádio Mocidade possuía uma Direcção constituída pelo Director (Joaquim António Almeida Nogueira, docente e Professor Secretário do Liceu ) que respondia pela Emissora perante o Secretário Provincial de Educação e por três alunos colaboradores : o chefe dos técnicos/operadores de emissão, o chefe dos locutores e o chefe da programação.
Enquanto a sua vida particular o permitiu ,o Sr. Carlos Albuquerque (CR7-CR)foi, por mérito, Subdirector e um dos pilares da RM.
A Rádio Mocidade auto-suspendeu as emissões a 27 de Abril de 1974 aguardando o evoluir da situação, não tendo recebido qualquer ordem para o fazer .
Desejo que fiquem para a posteridade os nomes dos jovens ,hoje talvez avós, que fizeram a RM, pedindo desde já desculpa por alguma omissão involuntária . A ordem pela qual se encontram nada quer dizer. Foram eles : Fernando Cruz, Cristina Mendes, Libânia Feiteira Ferreira, J.Mendes,Maria Dília , Victor Nogueira Pereira, João Pedro, Luís Arriaga, Rui Magalhães, Graça Faustino, Isabel Maria Pinto, Eurico Correia, Akim Elias Pirally, Luís Leite, João Carvalho, Maria Amélia Pinho, Carlos Matos, Luís Fonseca, António Ramalho, Pedro Neto, João Salgueiro, Carlos Oliveira, Tony Fonseca, Tozé Seca, Fernando Salgado, Odete Ferreira, Alda Maria, Conceição Gonçalves , Hélder Fernando, Pinto da Fonseca, João Carvalho, Pedrosa Alves,João Alves,Sebastião Henriques, Miguel Sousa, Lobão Ferreira, José Felizardo, Roberto Bordino, Jorge Rodrigues, Veloso da Silva , Carlos Albuquerque , João Augusto , Dina Maria,Delfim Rui Duarte , Maria João Mendes , Lila Rafael ,Ivone Ferreira , Carlos Garrido , Marino Gomes , Maria José Gaspar ,Milly Barreiros , Luis Bento,António Garcia e José Garcia.(encontram-se com os nomes pelos quais eram conhecidos )A todos um abraço de saudade do “Dr. Nogueira “ e uma prece por aqueles que já não estão entre nós .


Um homem nunca sabe do que é capaz até que o tente fazer (Charles Dickens)


Memórias da R.M.


Esta secção está destinada a relembrar acontecimentos ocorridos com a RM. Está aberta a todos. Mandem texto ou fotos para ct2fvf@hotmail.com



EXAMES DIFÍCEIS
Estávamos em época de exames lá pelos finais dos anos 60. A prova de matemática era difícil e os alunos ao saírem do salão de festas onde se realizavam os exames comentavam que o vice-Reitor, Dr. Pires dos Santos até mandara pôr música suave e baixinho para os acalmar.
Achei estranho, pois nem o Dr. Alberto Pires dos Santos era dado a essas coisas, nem o facto era possível já que só havia um microfone ligado á aparelhagem de som do salão.
Averiguado o facto cheguei á conclusão que tinha sido o emissor da R M, que estava no ar para testes, que entrara por indução na aparelhagem de som.
Por sorte a afinação do emissor estava a ser feita com música de VIVALDI, mas os alunos sempre acreditaram que não fora ocasional aquela música calmante que ouviram durante a prova de exame de Matemática.

ESFORÇO A MAIS
..Era o mês de Janeiro de 74 e na piscina do Desportivo realizavam-se as 24 Horas de Natação. Deslocada para o local uma equipa de cinco elementos era necessário alguém no estúdio entre as 20h e as 8 h da manhã, para ir metendo música nos intervalos das reportagens da piscina.
Como voluntário apresentou-se o Bordino que, sozinho no estúdio, lá foi metendo música sempre que a equipa na piscina o solicitava. Tudo corria bem até que pelas 7 h da manhã ao ser pedida nova música do estúdio este não respondia. Para evitar brancas na emissão a equipa da piscina fazia novas entrevistas, repetia resultados e entrevistas gravadas, enfim enchia tempo como podia, já que o estúdio nem o telefone de linha aberta atendia. Desesperados resolvem ir ao Liceu ver o que se passava.
Quando lá chegaram foram dar com o Bordino ferrado num sono profundo e a mão no comando de arranque do gira discos; não resistira a 12 horas seguidas sozinho no estúdio e de noite. Faltava apenas 1 hora para que a nova equipa entrasse com a programação normal de Domingo.


A foto que se segue mostra alguns elementos da Rádio na piscina a que se refere o texto ;são eles:Luís Leite,João Carvalho,MªAmélia Pinho e Carlos Matos.

4 comentários:

Unknown disse...

Meu Caro Joaquim Nogueira

Talvez ainda te lembres de mim, sou o Oscar Soeiro que foi Chefe dos Serviços de Actividades Gerais do "nosso" Comissariado.
Hoje deu-me para procurar o Rádio Clube de Moçambique e deparei-me com o teu blogue sobre a "nossa" Rádio Mocidade e fiquei comovido por me lembrar de ti e das tuas actividades. Com estas coisas vamos matando saudades da nossa terra de quem até o Presidente da República tem saudades.
Um grande abraço

Unknown disse...

Caro Joaquim Nogueira

Hoje veio parar às minhas mãos este blogue e fiquei surpreendida pela foto de nadadores do Desportivo, onde me encontro, ficando a conhecer a história por trás da fotografia.
Foi feliz a iniciativa deste blogue sobre a « Rádio Mocidade», não só para recordar tempos inolvidáveis, como divulgar o que de bom se fez em Moçambique, preservando e dando a conhecer as suas muitas histórias.
Um abraço

Rui Baptista disse...

Meu Caro Joaquim Nogueira:

Por feliz acaso, acabo de tomar conhecimento da "Rédio Mocidade".

Pouco tempo atrás, enviei-te um mail.No receio de não o teres recebido, peço-te o favor de indicares o endereço actualizado do mail para entrar em contacto contigo. O meu mail é: ruivbaptista@sapo.pt

Um grande abraço.
Rui Baptista
ex-inspector de Educação Física daMocidade Portuguesa (Moçambique)

Rui Baptista disse...

Peço a tua compreensão: Rédio Mocidade, não. Rádio Mocidade, sim. Um novo abraço. Rui